quarta-feira, 12 de novembro de 2025

“O dia em que o mar secou. "

 


Ainda era madrugada quando o primeiro canto do galo se perdeu no ronco suave das ondas da Baía de Ubatuba. O céu, meio roxo, meio cinza, prometia tempo bom. Lá no canto do Perequê-Açu, seu Adão e o compadre Bento empurravam a canoa de tronco cavado, enquanto o cheiro de café e fumaça ainda pairava pelas casas de pau-a-pique.


— Hoje o mar tá chamando, Bento — disse seu Adão, ajeitando o chapéu de palha. — Tá manso, parece até que quer dar peixe.
E foram. Remando com calma, deixaram o rastro miúdo da canoa cortando o espelho da água. Jogaram a tarrafa, e de início vieram só uns carapicus, miúdos, pulando vivos no fundo do barco. Era pouco, mas bom sinal.
O sol foi subindo devagar, dourando as ondas e as encostas do Corcovado. A brisa trouxe o cheiro doce das matas e o sal da rebentação. Quando jogaram de novo, vieram xereletes e robalo-peva — já peixes de respeito.
Logo mais, avistaram outra canoa vindo lá do Itaguá, depois mais uma do Saco da Ribeira, outra de Picinguaba… cada uma trazendo dois, três homens risonhos, falando alto, jogando rede. A baía ficou pontilhada de canoas, como se o mar tivesse florescido em madeira e gente.
E o peixe começou a vir. Primeiro em dezenas, depois em centenas. Sardinhas pulavam na superfície, tentando fugir das redes. As águas ferviam de tanto cardume. Os homens gritavam, riam, trocavam histórias — parecia festa. As mulheres na praia começaram a acender fogo pra assar o que chegava, e o cheiro de peixe fresco misturou-se ao da lenha e da maresia.
Mas o mar... o mar começou a mudar.
De repente, a água foi baixando. As canoas ficaram rasas, presas na areia. Os peixes ainda se debatiam, mas o mar recuava, recuava como se estivesse cansado de tanto dar. Os homens se entreolharam — ninguém falava. A baía, que há pouco era um espelho azul, virou chão úmido, cheio de conchas, pedras e peixes presos no lodo.
Seu Adão tirou o chapéu, olhou pro horizonte e murmurou:
— O mar deu o que tinha... e agora foi descansar.
Daquele dia em diante, diz o povo antigo que ninguém mais pescou tanto em Ubatuba. O mar voltou a ser generoso, sim, mas nunca mais daquele jeito. E até hoje, quando a maré abaixa demais e o vento muda de repente, os mais velhos dizem que é o mar lembrando — lembrando o dia em que cansou de dar tantos peixes para os homens.
Se é verdade? É sim senhor ! Quem me contou foi um pescador.

GUINHO CAIÇARA SANTOS
VIA FACEBOOK

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