[TRECHO DO LIVRO - RESENHA ENTRE AMIGOS - Histórias do Perequê-Açú - Por Elias Santos e Silmara Retti]
Minha querida amiga Silmara,
Quando fecho os olhos e deixo a memória me levar, a recordação mais antiga que tenho é de quando ainda era criança e do local onde cresci.
Volto àquela travessa modesta do Perequê-Açú, onde vivi minha infância quase inteira. Era uma ruazinha daquelas que só quem cresceu nela sabe o quanto carrega de vida. Na época, chamava-se apenas uma travessa da Imaculada Conceição, mas depois passou a se chamar Luiz Fernando de Jesus, nome dado em homenagem ao filho do seu Leopoldo, pescador tradicional do bairro, que foi levado tragicamente num acidente de carro.
Minha família ainda mora ali, naquela travessa que para muitos pode parecer só um canto de rua, mas que para mim era um universo inteiro. A casa era simples, pequena, mas ali cabiam todos os sonhos da minha infância. Lembro com carinho de uma cena que parece ter acontecido ontem: minha tia Celica havia comprado uma geladeira nova – e, claro, o que mais nos encantou, eu e meu primo Fabinho, foi a caixa de papelão que embalava o eletrodoméstico. Aquela caixa virou nosso parque de diversões. Tínhamos sete ou oito anos e passávamos o dia dentro dela, criando mundos, cavernas, naves espaciais e fortalezas com as dobras do papelão.
Outra memória viva é do caminhão de reciclagem que passava regularmente pela rua. Ele comprava ferro velho e, numa dessas visitas, o dono deu ao Fabinho um pintinho de galinha. E não é que ele cuidou do bichinho com tanto carinho que o danado cresceu e virou um galo enorme? Fabinho o adorava. Era como um companheiro de quintal, desses que acordavam o bairro com seu canto antes mesmo do sol nascer. Às vezes, o galo parecia até parte da família, de tanto que foi querido.
Silmara, essas lembranças são pequenas janelas por onde ainda espreito minha infância. A travessa, a caixa da geladeira, o caminhão, o galo... tudo isso forma um mosaico afetivo do que foi crescer no Perequê-Açú. Não troco por nada no mundo essas memórias que ainda vivem em mim – e que agora, ao te contar, revivem com um gosto doce e nostálgico.
Texto de Elias Santos

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