segunda-feira, 16 de setembro de 2024

AMIZADE

 



A imagem acima não faz parte da matéria original aqui compartilhada, ela é apenas ilustrativa

 
 

No sábado, o Toninho surpreendeu-me. Presenteou-me com uns dois quilos de mistura. Peixes pequenos que vêm nas redes de pesca de camarão. É que, dias atrás, havíamos conversado por telefone e eu lhe falara de estar com vontade de comer esses peixinhos, bem fritinhos, acompanhados de feijão, farinha, arroz e uma saladinha de tomate temperada com sal, azeite, vinagre e salsinha. Coisinha simples. 


Dissera-lhe também que estava (e ainda estou) com dificuldades para sair de casa e ir ao mercado de peixe. Pois não é que o querido amigo me aparece em casa, sábado pela manhã, com uns dois quilos de embetaras já consertadas, limpinhas, prontinhas para fritar.

Houve uma época em que esses peixinhos vinham em grande quantidade nas redes de arrasto. Havia diversas redes de arrasto na baía da cidade. Depois de separados os camarões grandes e os peixes de qualidade, o restante era deixado, juntamente com o cisco, na areia da praia para os urubus se regalarem. Depois dos urubus, vinham os funcionários da prefeitura para enterrarem o que sobrasse. Canguanguás, embetaras, palombetas, chicharros, marias-moles, sardinhas-manteiga, bagres, pequenos siris e camarões sete barbas eram algumas das espécies que se deixava aos urubus. Hoje, nem urubu a gente vê por aí. Eles colaboravam na limpeza pública.

Eu e o Toninho Guimarães temos isso em comum: gostar das coisas simples, principalmente quando se trata das coisas da cultura em que fomos criados. Somos ubatubanos. Amizade é coisa séria. Desta vida não levamos nada. Mas a amizade, creio, vira algo eterno. São Pedro deve perguntar: ”Tivestes amigos em vida? Não!... Então, meu filho, aguarda ali naquela fila, a do Purgatório.” Amizade sem interesses. Amizade que se alimenta de boa conversa, de conselhos, de formular censuras, de saber ouvir, de gostar das mesmas coisas, de concordar nas vontades, de sentir saudades quando o outro se ausenta.

Montaigne diz em seus Ensaios que a amizade atinge sua irradiação total na maturidade da idade e do espírito. Graças a Deus, posso dizer: tenho amigos. E pude sentir o afeto deles nestes dias difíceis que enfrento. Os amigos têm me dado muita força, muito apoio. Sobre esse assunto, ocorre-me também a passagem, acho que única em todo o Novo Testamento, em que Jesus chora ao receber a notícia de que seu amigo Lázaro havia morrido. Foi o lado humano ou o divino que chorou? Penso que foram os dois.

Amizade é coisa séria. Um amigo para ouvir nossas confidências, nossas conquistas e derrotas amorosas, nossos projetos, nossos sonhos, nossas expectativas. Um amigo presente, mesmo que só para jogar conversa fora, regada com uma cervejinha gelada. O filósofo Olavo de Carvalho diz que “Há duas maneiras de ajudar um amigo: removendo os obstáculos de seu caminho ou dando-lhe o que necessita. Só os grandes amigos excedem nos dois tipos de bondade”. Acho que ele se esqueceu da afeição, que é uma forma grandiosa de amigos se ajudarem. No gesto do Toninho, no sábado, ao me presentear as embetarinhas, se concentra, sem explicações metafísicas, o afeto de uma grande amizade, e sou grato a Deus por tê-lo como amigo.


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
Data  08 março de 2012

FONTE  SITE    ubaweb.com

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