Eu estava podando as plantas da calçada, mas o
trabalho não rende porque sempre tem alguém parando para uma prosa. Acho é
pouco e quero é mais! Tem quem se enverede em coisas de religião, outros
contam da saúde, do trabalho que está fazendo depois de um tempo sem emprego
etc.
Renan é vizinho de algumas ruas depois. Ontem ele parou para comentar das terras que a finada mãe tinha: “Sabe aquela área ali no Mato Dentro? Era dos meus parentes. Tio Zé Raié tinha bananal ali.
Tudo aquilo, onde tá cheio de casas e de comércio
agora, era dele. Depois vendeu para Fulano, que vendeu para Sicrano, que mais
tarde vendeu para Beltrano. Este pagou com drogas que trazia de longe. Sicrano
se acabou no vício. Quem comprou dele agora tá rico, não precisa mais se
preocupar nesta vida com dinheiro”. Quando ele acabou de explicar
tudo, perguntei: “Então quer dizer que o crime compensa?”. Ele
parou, ajeitou os óculos e respondeu: “É, compensa. Sabendo fazer...
compensa! Peguei esse exemplo vivido num fim de semana para
refletir sobre ideologia com alguns adolescentes. Afinal, acredito eu que, se a
pessoa estudar a sério, consegue refletir melhor e perceber as ideologias
no seu caminhar, escolher o que compensa ou dizer “não é por aí
o caminho”.
Ideologia é um
modo de justificar as palavras e atitudes que norteiam a nossa vida: para
alguns é a política nessa ou naquela direção, para outros é a religião com sua
doutrina que tem a palavra final. Na pandemia da covid, quantas pessoas
deixaram as orientações científicas de lado e se deram mal? Uns seguiram as
falas descabidas do chefe da nação, outros deram ouvidos a seus líderes
religiosos...Diziam que era tudo para salvar a pátria, as cores da nossa
bandeira. Eu tenho a certeza de que se não fosse a vacina, outros milhares
teriam nos deixado. O que faz as pessoas abraçarem ideias absurdas, serem
comparados a rebanhos que obedecem cegamente essa ou aquela linha de
pensamento? Tem gente que passa olhando o meu trabalho com as plantas,
diz que melhor seria cortá-las e cimentar tudo. De onde vêm tais
convicções? Ainda bem que são minoria! É disso que se trata ao refletir acerca
de ideologia: de como chegamos às escolhas desse ou daquele caminho!
As minhas escolhas
(cultura popular, preservação do meio ambiente, políticas sociais etc.) me
trazem satisfação. Exemplo: Notei há muito tempo, dentre muitos exemplos, que a
Dona Maria, moradora antiga no bairro, faz questão de passar bem devagar na
nossa calçada, como se estivesse contemplando. Logo depois da prosa com o
Renan, ela estava retornando do mercadinho. Parou perto de mim e fez este
comentário: “Eu chamo está calçada de Bosque da Rua. Adoro esse frescor,
essas plantas. O senhor está de parabéns”. Tem coisa melhor do que um
elogio-agradecimento pelo espaço que cultivamos? Tem coisa melhor do que
aproveitar a folga para cuidar das nossas plantas e prosear com as pessoas?
Eu acho é
pouco e quero é mais!
TEXTO DE JOSE RONALDO
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